1% para a cultura em 2020: o mais provável é que haja muitas encenações, mas nunca chegue a estar em cena | ||||
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Mais um afinamento, uma revisão, uma suposta melhoria – sempre para o futuro. Porque, no presente, o que há é contestação, expectativas goradas, relatos de falta de financiamento. Talvez seja bom lembrar como foi que o Governo PS nos trouxe até aqui. Em 2016 o Secretário de Estado, Miguel Honrado, afirma que quer desenvolver com o sector um “novo modelo de apoio às artes”. Em 2017 não há concurso, como deveria depois de terminado o biénio 2015/2016, porque será “um ano de transição”. E o Ministério da Cultura contrata o ISCTE para a realização de um inquérito de auscultação aos agentes do setor. Em 2017 o Secretário de Estado afirma que "a revisão do atual modelo de apoio às artes é uma prioridade do Governo e uma grande oportunidade". É publicado o novo modelo e, logo a Plataforma Rede, que representa 32 estruturas, afirma que este "não corrige o anterior em aspetos fulcrais e não está suportado numa clara política cultural (…), revelando-se tecnicamente inadequado para garantir uma justa e correta atribuição de apoios ao sector artístico". Em março de 2018 saem os resultados dos concursos e companhias com historial sólido e reconhecido, ficam subitamente sem apoios. Centenas de atores subscrevem uma carta aberta "sobre os atrasos na Direcção-Geral das Artes", lamentando que em 2017 nada se tenha alterado, apesar das promessas e proclamações. O primeiro-ministro anuncia então um primeiro mini retificativo, com um aumento de 15 para 16,5 milhões de euros na dotação para a criação artística já nesse ano. A DGArtes acompanha 500 mil euros. No início de abril, 50 estruturas teatrais e 140 artistas enviam uma carta ao primeiro-ministro, dizendo que "o sistema que este Governo impôs na cultura falhou por completo e de forma transversal, fragilizando ainda mais o sector artístico". Perante a escalada de reações, a tutela admite que há falhas e manifesta disponibilidade para as colmatar. Como ainda assim a contestação não para, António Costa anuncia um segundo retificativo, agora de 2,2 milhões de euros. E em junho, é criado um grupo de trabalho para estudar outro modelo. Em outubro o ministro é substituído e em novembro, a nova ministra Graça Fonseca, explica que porá em discussão pública o modelo de apoio às artes. Pela primeira vez, em março de 2019, abrem os concursos bienais, o que a Ministra anuncia com grande alarde. É um facto positivo, mas que só se cumpre no último ano da legislatura, ano eleitoral. Mas ainda que se tenham adiantado, a verdade é que o problema não terminou. Em julho, em carta à ministra da Cultura, o júri do Teatro sublinhava a impossibilidade de responder a mais de metade das candidaturas, que considerou elegíveis e diz: “vimos apelar à sua sensibilidade e compreensão, para que se encontre uma solução que resgate as expectativas dos candidatos". No entanto, nova declaração do júri, em 15 de novembro, constata que "as inquietações manifestadas em julho e agora renovadas não tiveram resposta". Os resultados provisórios dos concursos para o biénio 20/21 foram divulgados a 11 de outubro e deixaram sem apoio 75 das 177 candidaturas consideradas elegíveis pelos júris. Quarenta e cinco estruturas artísticas e mais de 300 profissionais do setor pedem a demissão da Sra. Ministra. Em resumo: em quatro anos de Governo socialista tivemos: 3 ministros, 5 diretores Gerais das Artes, 4 orçamentos com 2 mini retificativos, 1 inquérito, 1 grupo de trabalho e apenas duas constantes: contestação e a promessa de que da próxima é que será de vez. Para as estruturas, as promessas não pagam as dívidas incorridas para se manterem de portas e palcos abertos. Como disse a própria Ministra em abril – “Não é possível a nenhuma estrutura, como não seria possível a nenhuma empresa, programar seja o que for nestas condições.” Por isso, ao PS – mas também ao PCP que, aprovando os quatro orçamentos dos quatros anos que descrevemos, convoca placidamente este debate – o que temos a dizer é isto. O Governo anterior falhou rotundamente. Veremos muito em breve, no próximo Orçamento do Estado, onde vai ficar essa outra bandeira de 1% para a cultura. O mais provável é que haja muitas encenações, mas nunca chegue a estar em cena.
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